segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A Fuga do Vampiro

Eis que me lembro de despertar, completamente aturdido e sem forças. Ainda me acho pensando nesse dia, envolto por tudo que estava por vir. Ao meu redor as chamas rugiam e consumiam o salão, iluminando tudo. Assim, pude ver com clareza quem havia segurado meu coração pulsante. Compridos cabelos negros caiam-lhe no rosto, o qual era mui belo e altivo. Seus olhos tinham cor de mel e seus lábios eram vermelhos como sangue.
-Sempre acreditei que anjos guiavam os mortos. - exclamei.
-Você não está morto. - respondeu Sofia, impaciente; mas ainda sim com uma doce voz.
Ela me desatou e percebi que estava acompanhada por um misterioso elfo que me observava também.
-Este punhal. - apontei para a arma que ela segurava. - Me pertence.
-Pegue. – disse entregando-o a mim com certo alívio.
Calmamente me aproximei de meu algoz que agora agoniava graças aos ferimentos causados pela explosão. Seu capuz havia caído e vi como era detestável a sua imagem. Pousei minha boca em seu ouvido e disse:
-Suas lembranças foram mandadas e acho que Ela vai ficar feliz em te ver. – sussurrei.
Sua expressão de dor logo se transformou em desespero, e ele tentava debilmente gritar. Com certa facilidade cortei lhe o pescoço e me deleitei com seu sangue quente que jorrava descontrolado. Não havia perdido a habilidade de matar. Sofia e seu companheiro olhavam com desgosto, contudo me esperaram até que eu me alimentasse decentemente.
-Quem serdes? – questionei.
-O que deve saber é que viemos resgatar nosso comandante; os outros estão a vasculhar a prisão. – Respondeu a voz firme que até então me era desconhecida. Meu mais profundo instinto me dizia sua resposta não era de todo verdadeira. Mas não havia tempo, profundos corredores e escadas infindáveis nos separavam da saída daquele lugar. Depois de uma longa caminhada, por uma janela cerrada de grades, observei o quão alto estávamos; numa das várias torres da prisão. Eu confiava que fosse a torre certa.
-Como sabia que eu poderia conjurar as magias de seu tomo? - perguntou-me Sofia, enquanto atravessávamos um longo corredor.
-Eu apenas... previ. – respondi novamente com um tom diferente em minha voz. Parei de frente a uma porta de ferro e continuei. -Esta é a sala de fundição. Nossas armas estão aqui.
-Previu?
-Foi aqui que retiraram a minha armadura. - Jamais esqueci aquele lugar. Na entrada, um desenho singular de uma cobra, um guerreiro e seu tridente.
-Agora, use seu trunfo novamente.
Ela assentiu e colocou a mão sobre a porta.
-
Ignis Esclarecer! – Gritou. No mesmo instante, a porta foi estourada e arremessada para longe e as paredes se romperam em chamas por todas as partes. Nós avançamos sobre os destroços olhando para o fundo de onde fora uma sala comprida. 

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Abriram passagem e arrastaram-me para dentro de um salão horrendo, repleto de defuntos. Muitos desfigurados ou faltando partes.
Naquele momento me senti finalmente aliviado; era chegada minha hora e eu me despedia deste mundo.
Depois de me amarrarem em uma mesa de pedra, os espectros saíram dando risadas e gemendo entre si. Apenas um distinto dos outros e encapuzado, ficou. Este era completamente aberrante; uma altura descomunal, protegido por uma bela armadura prateada e em posse dum enorme machado negro. Ele se aproximou da mesa e disse com desdém:
-Este é o poderoso vampiro que encarou a própria morte? Mande lembranças a ela! 
Assim desembainhou um comprido punhal o qual logo reconheci.
-Seu ladrão asqueroso! – berrei.
Imediatamente senti um golpe de força assustadora que deixaram minhas lembranças seguintes turvas e confusas. O aço frio entrava em meu peito perpetrando um corte mortal. E com grande destreza perfurou ainda mais fundo, arrancando-me o coração. Senti prazer em cada corte, cada incisão, feito por minha própria arma; tremi em êxtase. Estava morrendo e tão logo vieram trevas. Não saberia dizer o tempo que se passou, anos ou segundos poderiam ter transcursado. Não era algo como adormecer, não era nada. A eternidade do fim, um descanso puro e etéreo para uma alma corrompida.
  Então um raio de luz rasgou a débil escuridão que reinava. Houve uma explosão fazendo com que pedras e corpos se misturassem no ar. Senti que algo pesava em meu peito, como se segurassem meu próprio coração. Não havia sinal de meu algoz e meu punhal estava em outras mãos.

domingo, 18 de setembro de 2011

-O que te faz pensar que não faria? – Num tom desafiador


Então algo me veio à mente, como resposta àquela pergunta:


       Durante séculos criei,
       incontáveis versos mortais.
       E os meus inimigos amaldiçoei,
       os quais não me perturbam mais.

       Estive em um sonho profundo,
       onde tristeza e dor dominaram o mundo,
       onde o sol não retornava de manhã 
       onde não restou mente alguma sã.
                                                                                                                                                                                                
       Mas o futuro é incerto,
       e jamais vão lhe prever.
       Só foi pré-destinado correto,
       que vamos morrer.
                             
       E sem a morte que graça haveria?
       Condenado ao tédio eterno seria.
       Desejo agora uma estaca no peito,
       E assim, descansar com paz em meu leito.

       O fim está chegando,
       nem eu escaparei.
       Ouvi O Mal celebrando,
       o retorno de seu Rei.


Embalado pelo momento ou mesmo enfeitiçado por aquela bela voz que ainda ressoava em minha cabeça, desfaleci.

Acordei com o barulho que a pesada porta de ferro fez ao ser aberta pela segunda vez naquele dia quente de verão. Uma luz vermelha entrou abundantemente pelo recinto e vozes esganiçadas surgiram junto:
-Vampiro! Sua hora chegou. - e enquanto isso foi dito, inúmeras mãos asquerosas me desatavam e me punham de pé.
-Espere! - gritei. - Deem-me um último pedido.
E apesar do meu estado decadente, ainda havia imponência no meu falar.
-Diga verme. – gemeu uma voz nojenta.
-Gostaria de entregar algo para esta donzela. - e sem resposta alguma, me dirigi para onde supostamente ela estaria. Quando já pude ouvir sua respiração suave, me agachei e tentei me aproximar ao máximo. Senti sua pele quente e macia, e tão logo tentação de mordê-la.
-Tome, é apenas um livro, porém encantador. - sussurrei com um tom distinto em seu ouvido.

Impacientes, os guardas me chutaram para fora, berrando numa língua desconhecida, possíveis maldições e zombarias. Durante muito tempo me guiaram através de corredores e escadarias e tudo o que eu via era o clarão vermelho das tochas incandescentes. Horas decorreram e já acostumado com a luz, pude ver os guardas que me seguravam. Eram seres disformes que traziam consigo o fedor da morte. Amaldiçoados por longos anos perderam suas formas e se tornaram sombras, escravas de suas vontades dementes. Eles eram numerosos e bem armados, uma comitiva comum para escoltar um prisioneiro perigoso. Mas naquele estado eu não representava perigo algum. Estava em pele e osso, sem minha arma e armadura e principalmente, sem meu livro mágico.
 De súbito, pararam de frente a um portão.
-Sua viagem termina aqui. - um guarda disse. 

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Finalmente Morto!

'Verão de 643

Em meu quarto fétido, esquecido, desconfortável e escuro, havia uma pequena janelela no alto, por onde diariamente o sol cegava meus olhos por algum tempo. Nada agradável, mas o que poderia eu fazer? Dominado pelo tédio, com o tempo, passou a ser um momento único para mim; uma diversão, uma brincadeira, excitante, meu orgasmo melancólico.
Certo dia, não por mero acaso penso eu, a porta foi escancarada com violência. Nesse exato momento, eu era cegado pela luz penetrante do sol, e assim, não vi o que se passou. Enquanto eu lutava pra enxergar algo, houve um baque, como se algo tivesse sido arremessado com grande brutalidade para dentro da cela.
Logo a porta voltou a ser fechada e um choro penoso surgiu em meio à escuridão. Não tive esperanças que me tirassem dali, mas fiquei intrigado com a nova companhia; havia um novo sabor no ar. Nunca me esqueci daquele perfume.
Em meio às trevas, o choro persistia, intenso e convulsionado. Como um rio que nasce no alto da montanha e vai ganhando força à medida que desce, aquele choro fez com que eu lembrasse de que ainda havia sentimentos, mesmo que longe de mim. E logo a curiosidade me consumiu.
-Porque choras criança? - Perguntei instintivamente.
Ela não respondeu e nem o choro cessou. Ficou ainda mais intenso e tristonho.
-Acalme-se minha jovem. Não queres entristecer a um velho moribundo. -
Como resposta, o choro aos poucos cessou, se transformando em fortes soluços.
-Haverá algum velho com voz tão jovial ou algum moribundo com tanta força no falar? – Respondeu-me uma voz doce e amável; porém bastante angustiada.
-Não se iluda. Sou um vampiro. O mais velho de todos vivos. Tão velho que estou farto da vida. Mas ainda não me respondeste o que te afliges?
-Ora, não hei de falar a meu respeito para um estranho. - disse a moça com firmeza.
-Desculpe meus maus modos. Mas nomes não significam muito. Na verdade de nada servem se não souberes Quem sou.
-Insisto em um nome.
-Julius. E teu nome, qual é?
-Como vou saber que está falando a verdade?
-Não vai. Cabe a você acreditar ou não.
Ela pensou durante certo tempo:
-Sofia. - respondeu de supetão.
-Ó, que belo nome! Diga-me, Sofia, por qual motivo estava aos prantos?
-Não vale a pena falar de nossos medos.
-Talvez a alegraria perceber que se nossos medos não conseguem nos calar, podemos enfrentá-los.
-Choro por saber que não pude.
-O choro é o protesto dos fracos.  -
-O desabafo da alma oprimida. -
-Não será assim por muito, logo morrerás aqui. – Afirmei com veemência.
-Suas palavras soam como veneno para mim.
-Porque temes a morte, acaso ela lhe fez algum mal?

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Capítulo I

Em um Quarto Escuro   

'Outono de 642

Acordei de meu profundo coma, e novamente me vi nu, estirado como um animal, atado a fortes correntes. Nada me restou dessa vida eternamente miserável que possuo. Sem forças para continuar, sem honra, coragem, sonhos, vontades; sem amor. Um corpo vazio esperando a visita da morte, a qual está incrivelmente atrasada para mim.
Hoje uma espécie de euforia me tomou, um pressentimento, talvez. Nada perto das visões e previsões que outrora me acompanhavam. Como sinto falta daqueles dias de glória que vi. Agora estou fadado a apodrecer e ser esquecido. Vi impérios ruírem e nascerem de suas cinzas; vi pessoas me abandonarem e também abandonei outras tantas; vi a morte em muitos olhos e a vi com os meus.